— Oi mãe.
Era pequenina. Seus olhos
eram a coisa mais linda. Nunca acreditei em amor à primeira vista, até vê-la
pela primeira vez. A sensação é única... O sentimento de alegria, e ao mesmo
tempo de desespero. “Oh, meu Deus, Ted, estou grávida, tem uma criança aqui
dentro!”. No início você não sabe bem o que fazer, fica meio perdida. Você quer
ter todo o cuidado do mundo, quer que nasça uma criança saudável e perfeita,
mas, acima de tudo, você quer ser uma boa mãe.
Todos queriam pegá-la no
colo, todos queriam mimá-la. Eu dei todo o carinho do qual ela precisava, toda
a atenção, todo o meu amor. Sua primeira palavra foi “mamãe”, eu a vi dar os
seus primeiros passos e a vi comendo sozinha pela primeira vez, lambuzando-se
toda. Eu adorava pegar nos dedinhos dos pés dela e vê-la dar aquela gargalhada
gostosa, que só os bebês sabem dar. Eu fui mais que uma mãe para ela, fui
também o pai que ela nunca teve — porque Ted não quis ter essa responsabilidade.
Eu a ensinei jogar bola, a se sujar na lama, brincar de carrinho, também tudo
isso, por que não? Eu a ensinei a ser uma criança feliz, a ser humilde, a
tratar os outros com respeito, a amar aos amiguinhos como ela amava a si mesma.
Eu a ensinei a ter simplicidade, a não querer ser mais que ninguém e a andar no
caminho certo. Eu cumpri o meu papel de mãe. Fiz o que muita mãe não faz hoje
em dia. Eduquei minha filha, e a ensinei a buscar sabedoria e entendimento.
Ketllyn cresceu bem,
sempre rodeada de amigos e pessoas que a apoiavam. Eu sempre estive ao seu
lado, nos piores e melhores momentos, ajudando-a nas tarefas da escola, e ela
sempre me retribuía com boas notas. Eu me sentia a mãe mais feliz do mundo. Eu
me sentia como se tivesse ganhado na loteria, e agradecia todos os dias a Deus
por ter me dado uma filha tão incrível. Eu queria aquela menininha linda,
sorridente, com olhar sincero e gentil para sempre. Eu sabia, como toda mãe,
que ela um dia cresceria. Só não acreditava que seria tão rápido.
De repente olhei para ela
e vi o quanto que havia crescido. Ela já sabia se trocar sozinha, já sabia ir
para a escola sozinha, não pedia mais ajuda com o dever de casa... Aos poucos
Ketllyn aprendia a se virar sem mim. Mas
quando ela chegou em casa, toda sorridente, dizendo que estava apaixonada, eu
parei. Foi quando percebi que era real. Foi quando caiu a ficha: ela não era
mais aquela bebê, não era mais aquela garotinha, e não havia nada que eu
pudesse fazer para mudar isso.
— Oi, mãe.
Não era mais pequenina,
embora seus olhos continuassem a coisa mais linda. E o tal moço por quem ela
disse estar apaixonada, ela o trouxera aqui em casa e minha intuição de mãe dissera
que ele não era o rapaz certo para minha filha. Nós que somos mãe sabemos,
conhecemos nossos filhos melhor que eles se conhecem. Mas Ketllyn, teimosa como
toda adolescente, querendo experimentar as maravilhas da vida, insistiu que
Gustavo fosse um bom garoto, mesmo que muitas vezes ele tivesse a feito chorar.
Eu expliquei para ela que o amor não era assim, que ela devia arrumar alguém
que lhe fizesse feliz, mas tudo o que ela dizia era que com Gustavo ela se
sentia bem. Nunca fui boa, na verdade, em orientar sobre sentimentos, até
porque as decisões que fiz em minha vida sentimental não haviam sido lá muito
boas.
Depois de um tempo,
quando Ketllyn começou a namorar, eu quase que não reconhecia mais minha filha.
Foi como se de repente ela se esquecesse de que tinha uma casa e de que tinha
uma mãe. Parecia que a cada dia que se passava, íamos nos distanciando cada vez
mais uma da outra.
— Mãe. Eu já cresci. — E
era verdade. Porque nossos filhos crescem. Esquecemos de que não criamos eles
para nós, mas para o mundo. E eu teria de deixá-la ir, deixa-la fazer suas
próprias escolhas, mais cedo ou mais tarde.
Mas ela se apegou muito
àquele garoto, ao ponto de amá-lo mais do que amava a mim. Gustavo se tornou
uma má influência para minha filha. Ela passou a chegar cada vez mais tarde em
casa, a beber, e a fumar — mesmo eu a orientando tanto sobre o uso dessas
drogas e suas consequências. E passei a me perguntar o que tinha feito de
errado, porque é o que toda mãe pergunta quando seus filhos vão para um caminho
que você não espera. Nenhuma mãe quer que isso aconteça. Mas estamos todas
sujeitas a isso. Por mais que demos todo o nosso carinho, amor e atenção, e os
ensinemos a andar no caminho certo, ainda assim eles podem escolher um outro
caminho que eles achem que seja melhor. A escolha, no final de tudo, será a
deles e não a nossa. Ketllyn não sabia, mas era como se todas as minhas noites
mal dormidas, todo o meu esforço para sustentá-la e tudo o que havia feito sozinha
para criá-la, de repente se tornasse em vão. Porque eu fiz de tudo para amá-la,
e para quê? Para ela não se importar.
Ketllyn havia escolhido o
seu próprio caminho, ao lado de Gustavo. Havia dias em que ela nem vinha para
casa e eu apenas orava, pedindo a Deus que cuidasse dela para mim,
independentemente de onde ela estivesse. Mas cada vez ela dava mais trabalho e
mais desculpas para não voltar para casa. Até que ela finalmente terminou o
ensino médio, completou dezoito anos e me surpreendeu, dizendo que sairia de
casa.
Lembrei-me de quando
Ketllyn era ainda pequena e a levei ao parquinho perto de casa para brincar.
Naquele dia ela se divertiu muito e a deixei muito à vontade com as outras
crianças que estavam lá. Mas então, quando dei por mim, ela estava no topo do
escorregador, pronta para escorregar. Eu corri até ela enquanto dizia: — Filha,
não. Dá a mão pra mamãe. Mas ela me ignorou: — Não, eu consigo mamãe. E antes
que eu conseguisse alcançá-la, lá foi ela, tropeçando no próprio pé e
escorregando de barriga e dando de cara com o chão. Depois ela veio chorando me
abraçar, além de tudo se sentindo culpada. Agora, estava prestes a acontecer a
mesma coisa. Eu não queria que ela fosse morar com Gustavo, pois eu sabia
exatamente que suas intenções não eram boas. Eu não queria que ela se
machucasse como eu me machuquei com o pai dela. Apesar de tudo, ela ainda
continuava sendo minha filha, e mesmo sendo maior de idade, eu me sentia no
dever de cuidar dela. Por isso corri atrás de Ketllyn, pedi para que não fosse,
implorei para que ficasse, para que desse a mão para a mamãe... Mas ela
preferiu escorregar.
Quem é mãe sabe o quanto
sofremos quando estamos longe de nossos filhos. Quem é mãe sabe o quanto
ficamos preocupadas quando eles vão para casa de um amigo, quando passam a
noite fora... E, quando o filho sai de casa de vez, então, como é que fica o
nosso coração? Como é que lidamos com esse sofrimento? Ela era minha única
filha... Eu só tinha ela como companhia.... Vê-la saindo de casa foi como ver
uma parte de mim indo com ela, sem saber quando eu a veria outra vez.
Foram dias longos, que
pareciam não ter fim. Dias intensos de sofrimento. Dias que não passavam, em
que eu ficava olhando para a porta, esperando aquela garotinha voltar para
casa. Voltei um pouco no tempo, no tempo em que eu não dormia direito, por
causa de seu chororô; dessa vez não dormia direito porque ela não estava em
casa. Eu ficava pensando onde ela estaria e o que estaria fazendo e desejava
que tudo estivesse bem, que os anjos estivessem a protegendo.
Meu coração ficava na mão
toda vez que eu ouvia falarem dela. As notícias que se espalharam e chegaram
aos meus ouvidos não eram nada boas. Eu não quis acreditar em nada, porque
aquela não podia ser minha filha: eu não havia criado uma traficante, não havia
criado uma viciada, não havia criado uma criminosa. Todas noites eu deitava em
minha cama, com o coração apertado, torcendo para que ela voltasse logo para
casa.
—
Oi, mãe.
Ela
me ligou, pedindo dinheiro. Foi quando não deu para continuar acreditando que
estivesse tudo bem. Percebi pela sua voz que estava desesperada, percebi o
quanto que precisava de mim, mas ela negou tudo e disse que estava bem, para
que eu ficasse tranquila. Mas é claro que eu não fiquei. Tudo foi se tornando
difícil... Eu apenas ficava pensando em como eu poderia ter feito mais, como
poderia ter sido uma melhor mãe... Mas há certas coisas que não estão no nosso
controle.
E
em um desses dias, em que eu olhava para a porta de entrada, esperando Ketllyn aparecer,
torcendo para as coisas melhorarem e voltarem a normal... o pior aconteceu.
Minha filha, de fato, entrou pela aquela porta, mas não como aquela garotinha
meiga, não como aquela garota sorridente e linda que eu esperava ver... Ela
estava muito magra, como se não tivesse comido a dias; também estava muito
machucada, como se tivesse levado uma surra, e dos seus olhos não paravam de
sair lágrimas de desespero. Acompanhando-a, estava Gustavo, com o semblante de
um vilão, prestes a cometer uma loucura; com uma mão ele apertava o braço de
uma filha, com outra ele apontava a arma para a cabeça dela. Esse foi o momento
em que eu fiquei em pânico, enquanto ele gritava pedindo dinheiro, xingando
minha filha, e dizendo várias coisas que não entravam em minha cabeça. Eu só
consegui me mexer quando ele disse que ia atirar nela se eu não cooperasse.
Então eu dei tudo o que ele pediu, dei todas as economias que tinha e deixei
que ele levasse o que quisesse. Depois, ele largou minha filha no chão, quando
ela começou a ficar ainda mais desesperada, gritando NÃO, NÃO, NÃO, e eu não entendia
nada, porque Gustavo já tinha pego o que ele queria e iria nos deixar em paz...
Mas
então entendi. Olhei para Gustavo e ele apontava a arma para mim. Seus olhos
eram de raiva, e ele queria liberá-la. Queria fazer minha filha sofrer, ao ver
sua própria mãe morrer diante de seus olhos.
Ele
se aproximou de mim. Puxou o gatilho com força. Houve um clique, mas nenhum disparo.
—
Acho que é o seu dia de sorte.
E
Gustavo foi embora. Ketllyn se levantou para me abraçar. Eu a envolvi em seus
braços e chorei com ela, enquanto ela se desculpava.
—
Me perdoe, mãe, você estava certa — Ali estava a minha garotinha, me abraçando
após o tombo no escorregador, sentindo-se culpada. — Não quero mais
experimentar te desobedecer para ver o quanto você estava certa. Não quero mais
ter que estar a ponto de perdê-la para dar o valor que você merece. Mãe, me
perdoa. Eu te amo. Será que você ainda me aceita de volta?
Eu
olhei em teus olhos e limpei suas lágrimas.
—
Não importa quantos erros você cometa, filha, eu sempre estarei aqui, de braços
abertos para te receber de volta.
Não
foi nada fácil, mas essa foi uma fase por qual tivemos de passar juntas. Ambas
estávamos aprendendo. Eu me separei novamente dela mais tarde, quando ela foi
para a faculdade, e dessa vez eu estava mais preparada. Não conseguiremos
manter nossos filhos conosco para sempre, e nem sempre eles farão as nossas
vontades, mas creio que se mostrarmos o verdadeiro caminho a eles, com certeza
se lembrarão de nós quando estiverem em apuros e voltarão para casa.
Felipe Ferreira
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